Saturday, April 01, 2006

É TUTTY MENTIRA, EU JURO.

No país da lorota: Primeiro de abril já não tem sentindo no Brasil, agora que a mentira é epidêmica

A UTOPIA DA VERDADE

Deve ser mentira. Toda e qualquer busca na Internet sobre as origens do 1º de abril leva a ene possibilidades, uma delas... bem, esse “uma delas” – daí minha desconfiança – é sempre a mesma versão. Se “existem várias histórias que explicam o surgimento do Dia da Mentira”, por que não me deixam escolher a que me parecer mais verdadeira? Escolheram pra gente esta:

No tempo em que a França parecia muito a Bahia, estamos em meados do século 16, comemorava-se o réveillon entre os dias 25 de março e 1º de abril, quando o ano efetivamente começava. Daí que o rei Carlos IX, pelo visto uma espécie de César Maia gaulês, resolveu de uma hora para outra adotar o calendário gregoriano, mudando a data de Ano Novo para 1o de janeiro. Como em 1564 quem estava no poder ainda não dispunha de blog para falar e se explicar aos súditos, muita gente continuou estourando champanhe no 1º de abril – há contradições se por ignorância, tolice ou teimosia. Não importa! Virou uma data falsa, inventada, comemoração extemporânea, puro engano, motivo de gozação.

Nasceu aí a mentirinha, que depois virou nome de biscoito, mas na época era só uma brincadeira. Os franceses, com aquele senso de humor que lhes é peculiar, mandavam uns pros outros convites para festas que não existiam e sempre caíam no 1º de abril. Virou, em boa parte do mundo, o Dia da Mentira, mentira bem entendida no sentido de enganar o bobo na casca do ovo. A imprensa, depois que passou a existir, contribuiu muito para o sucesso internacional da data. Deu nos jornais do século 20: Maradona será técnico da seleção do Vietnã; África do Sul comprou Moçambique; plantação de espaguete é a grande novidade do setor agrícola; Brasil não vai à Copa do Mundo porque dinheiro da seleção foi usado em combate a incêndio em Roraima...

Faltar com a verdade, como se vê, não era necessariamente grave antes da instituição da mentira deslavada no Brasil. Como diz o outro, “nunca na história desse país” se mentiu tanto. Mentem os homens de bem, inclusive. Mente-se com convicção! De manhã, de tarde, de noite, em casa, nas ruas, no trabalho, entre amigos, na frente de todo mundo, na televisão, nos jornais, nos palanques, no mundo dos negócios, nos botequins, todo dia agora é Dia da Mentira no país da lorota. Qualquer cascata que se diga nesse 1o de abril não estará muito longe da verdade que se conta o resto do ano. A data específica de celebração da mentira perdeu, portanto, razão de ser!

Nenhuma notícia é suficientemente absurda para não ser verdadeira. “Deputado cassado por corrupção traficava rins de menores de rua” – juro que li algo assim dia desses no jornal e, confesso, na hora não achei nada de mais. O governo Lula, não se pode negar, nos preparou para o pior. Nada mais é inacreditável nos dias que seguem. Esta semana, por exemplo, um caseiro derrubou o ministro da Fazenda e Gilberto Gil chamou Hélio Costa de Hélio Bosta, que reagiu à altura: “Ele é que é Gilberto Vil”. Pode? Pode!

Pode tudo! Todo mundo pode dizer o que quiser e depois, se alguém ficar chateado, pedir desculpas pelo que disse, e pronto! Não estou falando só dos políticos, não! Lima Duarte não explicou por que desancou a Globo e colegas de novela em conversa com a “Folha”. Ih, foi mal, gente! – saiu-se com algo parecido. Vai ver pensou que a entrevista seria publicada no 1o de abril.

Por essas e por outras, o Dia da Mentira nesse 2006 deveria ser celebrado com um minuto de silêncio em homenagem à verdade, coitada, que nos deixou antes que chegasse sua hora.

Ps.Texto de Tutty Vasques, em Nominimo.

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